domingo, 27 de março de 2011

Sentindo Sangue na Garganta

Gente que está sempre doente. Não câncer, não infecção generalizada. Gente que está sempre sentindo a garganta. Que coloca a mãozinha no pomo de adão e engole com sacrifício. Quem faz isso quando está sozinho? Quem encosta a mãozinha no pomo de adão e engole com dor quando está sozinho? Essa coisa de trabalhar sozinha, de almoçar sozinha, de ter morado muitos dois anos absolutamente sozinha desenvolveu em mim um ódio por gestual de grupo. Gestual que se faz pro outro sem ser pro outro. Gente que procura o dinheiro do ônibus de forma espalhafatosa pro cobrador saber que não foi por mal.

Gente que está sempre com cara de dor no corredor da firma. Ou da faculdade. Semestre passado me apareceu uma dessas. Fez trabalho de grupo comigo. Não fez o trabalho. Estava sempre doente. Tinha um tipo de dor de cabeça raro que lhe fez colocar aparelho nos dentes e fazer sessões de massagem com uma fonoaudiologa. Fonoaudiologia, ortodontia. As pessoas sempre me perdem quando citam mais de uma especialidade médica para a mesma queixa.

Não fez o trabalho. Não pediu desculpas por não fazer o trabalho. Não reconheceu que não faria o trabalho. No fim, terminou fazendo um longo discurso sobre sua situação de saúde e o fato de morar longe. Como resposta, sofri uma possessão temporária do exú retirante e expliquei didaticamente que eu vim da Bahia, me sustentava desde os 18, trabalhava, estudava em dois lugares, não tinha faxineira e não era uma patricinha do subúrbio cuja grande tarefa diária consistia em chegar até a USP que ia se fazer de vítima pra mim.

Meu namoradinho da porta da escola tinha leucemia. Eu segurava o soro dele enquanto assistia Malhação. Arruma um câncer, espera meu intervalo e eu seguro seu pote de soro. Se não for assim, fica com sua aspirina, fico com minha bombinha e ninguém dramatiza o fato.

Juliana Cunha

Nenhum comentário:

Postar um comentário